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O Velho e o CD

Publicado por: Bruno Gouveia em 14/10/1999


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A cena se passa em 2010. Os CDs ainda são vendidos em algumas lojas, embora muitos já estejam totalmente acostumados com o formato digitalizado. Crianças já não colecionam mais os discos e sim as obras completas de cada artista. Uma delas troca um arquivo com toda carreira do U2 pela curta carreira do WozWoz, sucesso em 2004.

A tentativa das gravadoras de criar um vírus em formato de áudio para apavorar o mercado digital acabou não dando certo. Elas continuam a lançar CDs em quantidades ínfimas, embora já estejam remanejando diversos empregados das fábricas para outros setores.

Um homem, fiel aos seus disquinhos prateados, entra em casa. Logo ele, que defendeu a extinção do vinil ao vender a sua coleção e gastar uma fortuna em CDs na década de 90, agora resiste ao formato WQ7. Parece que um século se passou desde o dia em que o MP3 tomou de assalto o mundo - e pensar que fizeram um estardalhaço por aquilo!

Talvez por ter visto a ascenção e queda de tantos formatos (MP3, MP4, ...., LQT, &AZ, WWA, BUM, AI9,0X0,...) o homem de oitenta anos chega em casa certo de que seus CDs são ainda o formato ideal para se ouvir música. Fez um rápido curso de eletrônica em 2005 para garantir que poderia consertar seu carrossel de 40 CDs por sua própria conta .

A esta altura, não existem mais lojas de assistência técnica especializada para tais aparelhos obsoletos. Ele, entretanto tem certeza de que nenhum formato de áudio o engolirá!

A parede de sua casa já abriga 17800 CDs, e ele faz parte de pequeno time de fiéis que pagam caro para ter tais relíquias. Vinte anos atrás seria como se alguém tentasse conseguir uma cópia em vinil de 78 rpm de um disco da Madonna.

Ele viu a ascenção e queda do fonógrafo, do gramophone, do long-play, da vitrola, do single de 45 rpm, do de 33(e um terço!), das jukeboxes, do Vídeo Betamax e do Laser Disc; viu a música evoluir como nunca no século que se passou. Viu o surgimento do rádio, da TV em preto e branco, da TV a cores e a cabo, da TV digital e delivery. Viu os gênios de Cole Porter, Ari Barroso, Beatles, João Gilberto, Paul Simon e Caetano, Ella Fitzgerald e Luis Gonzaga. Comprou todos os seus discos, mas talvez, por ter tantas vezes trocado toda sua coleção pelos novos formatos de áudio, decidiu de uma vez por todas ficar com seus CDs e não trocá-los por nenhum outro tipo de arquivo ou disquete, cartão ou moeda digital.

Ele se recosta na poltrona e fita a parede de discos que cobrem sua sala, seu quarto e ate mesmo o banheiro. Toma um vinho do Porto e pensa se realmente valeu a pena tanta loucura pelos CDs, e se pergunta, a esta altura do campeonato, se vale a pena mais uma vez mexer em sua coleção.

O jornal holográfico anuncia a manchete: ³Anthology 2² dos Beatles é vendido na Sotheby¹s por 20 mil dólares! O homem ri. Ali está o tão cobiçado CD em sua parede. Ele se lembra do dia em que comprou o danado! Se parar para pensar, sua casa talvez seja uma verdadeira cofre forte, abrigando uma fortuna!

Ele se recorda de seu tio avô filatelista, que tinha selos raros em sua gaveta, Penny Blacks e Olhos de Boi, cada um valendo uma fortuna, mas que ignorava solenemente todo pedido de compradores, preferindo viver na pobreza de seu lar a se desfazer de qualquer um dos selinhos.

E lá estava ele, repetindo a mesma história, só que desta vez com seus discos. E se ele vendesse um CD desses? Pagaria ao menos as contas que se avolumavam no seu desktop. Teimoso, ele sacode a cabeça como que para apagar o pensamento. "Não vendo nada!", balbucia o velho.

Mais um gole de Porto, e ele fica ali, ouvindo a quinta sinfonia de Beethoven pensando em quem morrerá primeiro: ele ou o CD. Dormiu na sua poltrona de ouvir música, aconchegante e enorme. Sonhou com sua vida e a trilha sonora de sua história. Não acordou mais. O carrossel tocou ainda mais trinta e nove discos antes de parar para sempre.

 

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